Rainhas de Portugal

Rainhas de Portugal

setembro 07, 2011

Entrevista Exclusiva


Rainhas de Portugal
Em busca da vida, personalidade e poder...

Três mulheres. Historiadoras, dedicadas à procura das rainhas consortes que marcaram os destinos de Portugal. Uma investigação inédita, a quebrar silêncios, a desmontar equívocas imagens de perfeição ou perfídia, a revelar a origem, personalidade, quotidiano, e real influência das mulheres que se mantiveram na margem do poder – embora intimamente ligado a ele. Ana Maria Rodrigues, especialista em História Medieval, faz parte do Centro de História da Univ. de Lisboa. Manuela Santos Silva, também docente na Univ. de Lisboa, interessa-se pelas dinâmica social e pelo papel das mulheres na sociedade, ao passo que Isabel dos Guimarães Sá tem vindo a desenvolver uma importante investigação sobre o papel da família e das mulheres na história. Tendo trabalhado como investigadora na John Carter Brown Library, nos EUA, é actualmente membro do Instituto de Ciências Sociais de Univ. de Lisboa. Falámos com as três coordenadoras deste projecto.
Círculo de Leitores (CL) - Da Idade Média ao regicídio, imperam as palavras silêncio e sombra.
Isabel dos Guimarães Sá - As rainhas, no geral, eram mulheres tão bem preparadas como os homens para exercer o mando. A eventualidade de serem regentes na falta dos seus maridos era uma expectativa normal. Se houve rainhas irrelevantes e apagadas, o mesmo se pode dizer dos reis. A presente colecção pretende fazê-las sair da sombra e do silêncio relativamente à forma como viveram. O objectivo foi também o de as ver viver as suas vidas, e compreendê-las nas suas acções mais pequenas, e aparentemente irrelevantes.

CL - Marcante é também a ideia de construção de imagem das rainhas, nem sempre justa.
Ana Maria Rodrigues - Propositada ou involuntariamente, criaram-se em torno das rainhas, ao longo dos tempos, mitos e lendas, hoje de tal forma arraigados no imaginário nacional que se torna muito difícil apresentá-las de outra forma e fazer crer que ser rainha ia muito para além dessas imagens estereotipadas. Esperamos que esta colecção de biografias contribua, precisamente, para dissipar esses mitos, evidenciando ao mesmo tempo a imensa variedade de actividades, funções e papéis que as rainhas – tal como muitas outras mulheres de menor condição – puderam desempenhar no passado. As Rainhas de Portugal que estas biografias irão permitir aos leitores descobrir serão certamente diferentes das que eles conheceram na escola, nos filmes, nos jornais, e até em algumas publicações recentes. Nem poços de vícios ou modelos de virtudes, nem mulheres verdadeiras ressuscitados do passado, mas as consortes que as fontes disponíveis, lidas à luz das actuais teorias sobre o poder régio masculino e feminino (kingship e queenship), e submetidas às metodologias mais recentes da pesquisa histórica, nos permitiram recriar.
CL - Existe uma rainha (mulher, figura) que as tenham marcado ao longo da coordenação desta obra?
Ana Maria Rodrigues - Desenvolvi uma especial simpatia por D. Leonor de Aragão, que me pareceu uma mulher notável mas desvalorizada pela historiografia portuguesa já desde o tempo de Rui de Pina, o cronista que sobre ela mais falou. No tocante a outras soberanas, surpreendeu-me até que ponto a imagem, posteriormente construída, da Santa conseguiu ofuscar a Rainha política e diplomaticamente activa e a mulher autónoma que foi D. Isabel de Aragão até ao final da sua vida. E, para não me ficar apenas pelas rainhas medievais, apreciei particularmente a força interior e a sagacidade política de D. Luísa de Gusmão, que revelou não ser apenas a mulher ambiciosa e fútil contida na célebre frase “Mais vale ser rainha por um dia que duquesa toda a vida”.
Manuela Santos Silva – No meu caso, a pesquisa sobre a vida de Filipa de Lencastre, revelou-me, de forma muito clara, a construção que a própria dinastia de Avis fez da imagem da sua fundadora, embora não conseguindo ensombrar certas características muito próprias desta senhora. Foi criada em Inglaterra num ambiente socioeconómico e cultural muito diferente do que encontrou em Portugal, numa corte régia em tempo de guerra e por um rei “feito” em cortes, e esse substrato educacional explica a sua capacidade de intervenção em muitas matérias da governação, da organização da corte e da criação dos filhos.
Isabel dos Guimarães Sá – Eu teria de referir Isabel de Castela, filha mais velha dos Reis Católicos, mulher do príncipe D. Afonso e depois casada com D. Manuel, de quem foi a primeira rainha. Uma personalidade forte, e enigmática. Este caso marcou-me porque Isabel só foi rainha de Portugal escassos meses, morrendo de parto. E no entanto o seu casamento marcou a história de muitas pessoas, do Reino inteiro. O que comprova que não precisou sequer de chegar a rainha para ter uma enorme importância política.
CL - Dou um salto no tempo. Usadas como peças de xadrez (de estratégia política), em que momento (se é que isso acontece) as ideias de amor e liberdade penetram o sentir das futuras rainhas? 
Isabel dos Guimarães Sá - Só no Romantismo, quando se afirma o primado dos sentimentos individuais. É preciso esperar pelo século XIX. Mesmo assim, para uma rainha o sentido do dever sempre foi mais forte: ossos do ofício...